8.08.2009

O FUTURO DO PRETÉRITO

Por Fernanda Proença

O presente é uma posição temporal privilegiada para a análise de um tempo passado. Nele, gozamos de um distanciamento que atua em nosso favor, pois falar do que passou, do que já foi e está consolidado, nos dá a agradável impressão de progresso. Gostamos de nos auto-intitular pós-modernos e vale lembrar que o prefixo pós implica superação. No entanto, cabe questionarmos se este prefixo é bem aplicado, ou seja, em que medida podemos dizer que vivemos a superação da modernidade.

O pensador norte-americano Fredric Jameson, analisando justamente esta questão, atenta para o fato de a contemporaneidade não ser exatamente a superação do período moderno, mas a permanência e exacerbação de alguns de seus traços mais essenciais. Ou seja, há uma continuidade e um aprofundamento das questões modernas nos tempos atuais. Segue daí uma necessidade de compreendermos que somos o futuro desse passado que, em seu tempo, foi idealizado e desejado, e, se nos livrarmos da tradicional visão progressista, perceberemos que personificamos não apenas suas vitórias, mas também suas frustrações.

Zygmunt Bauman, sociólogo polonês e crítico perspicaz do mundo contemporâneo, pontua algumas dessas mudanças que se notam na dita pós-modernidade, que prefere intitular modernidade líquida. Segundo ele, se a modernidade demonstrava um apreço pelo novo e pelo inesperado, que caracterizava um período de desenvolvimento urbanístico e industrial, o mundo contemporâneo tornou-se um espaço de canonização das vanguardas. Uma era, portanto, que se caracteriza não tanto por quebrar as rotinas e subverter as tradições, mas por evitar que padrões de conduta se congelem em rotinas e tradições. Assim, a importância antes atribuída ao novo está voltada agora para o fluído, o volátil, o flexível.

Se o projeto da modernidade sonhava em desmontar a realidade herdada com a intenção de torná-la melhor, o mundo contemporâneo o faz sem perspectiva alguma de permanência. Tudo é temporário, instantâneo. Jameson diria que o sujeito contemporâneo encontra-se imerso em uma desqualificação temporal, na qual não há uma definição clara daquilo que é passado ou presente e, por isso, a percepção do tempo se dá como se vivêssemos num presente perpétuo. Ou seja, o próprio tempo se torna líquido, volúvel, e não se presta mais a ilusão de progresso.

Ainda, se a modernidade acreditava que o fim de sua jornada estava logo adiante, a pós-modernidade está livre dessa ilusão e não busca, sequer, estabelecer uma linha de chegada.
O sujeito que habita a modernidade líquida precisa, para sobreviver, aprender a transitar neste universo de incertezas. Não há raízes, permanência nem objetivos claros a serem alcançados, e é natural que tal relativismo carregue consigo sua dose de angústia. No entanto, há certa beleza nesta fluidez, nesta pluralidade, e talvez seja possível sentir-se à vontade em meio às incertezas.

A arte, como produto da elaboração poética da realidade, não escapa a esses temas. Nos artistas e obras expostas na mostra Linha Liquida, inspirada no pensamento de Zygmunt Bauman, é possível perceber essa tensão superficial nas obras, que procuram, através de linguagens plurais e sutilezas conceituais, tornar o efêmero, senão eterno, ao menos tangível. Apropriam-se de obras do passado, trabalham no limite da fusão, conversam com as possibilidades e transitam confiantes na arena do instável.
Mais do que oferecer respostas, essa mostra busca, através de suas obras, levantar questões e promover um espaço orgânico de observação e debate, para que não passemos inócuos e sejamos agentes deste processo vivo, do qual somos parte integrante.


Fernanda Proença é formada em Filosofia pela Universidade de São Paulo, onde cursa mestrado em Estética.


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